Petr Pithart: Confusão em termos. Quem é progressivista e para que é bom um liberal TRADUÇÃO DO COMENTÁRIO ORIGINAL

    São as palavras liberal, liberalismo e o que está atrás delas, bom ou errado? Significa liberal alguém de espírito livre, desejando liberdade para si e para todo mundo, ou ele é um progressivista, tipo de esquerdista, convencido, que apenas ele conhece a verdade e quer impô-la a todos? Ou ele é só um individualista, egoista? Os problemas não são com o liberalismo, mas com uso confundido das palavras.

Fonte: Profimedia, https://hlidacipes.org/petr-pithart-zmateni-pojmu-kdo-je-progresivista-a-k-cemu-je-dobry-liberal/

     Comecemos com o slogan sagrado da Revolução Francesa: a idea de um liberal é um indivíduo livre, autónomo, na realidade política um cidadão livre (liberdade). Se ele é completamente igual entre os iguais (igualdade) e se sente irmão de todos irmãos (fraternidade), isso não é mais a preocupação dele.

    Na opinião deles o importante é que, figurativamente falando, mais do que as pessoas, as regras „governem“. Que uma série de procedimentos permita viver na paz um ao lado do outro as pessoas mais esquisitas mesmo que cada uma pensam e desejam algo diferente. Que as minorias sejam protegidas diante da ameaça da tirania da maioria.

    O liberal valoriza as instituições, desde que elas não sejam entendidas como „autoridade“, como o cidadão majoritário as vê, mas como guardiãs de regras comprovadas.

    Regras são o que sempre estabelece limites e proibições. Resumidamente dito: o liberal cuida dos meios, não das metas.

Estado do mundo sem leis

    A confusão surge porque há muito tempo existe um liberalismo duplo, na verdade triplo, e que eles estão longe de ser semelhantes em tudo. A palavra liberdade encontra-se assim em vários contextos.

    Existe liberalismo político e liberalismo econômico. E também há libertarianismo. No primeiro sentido, todos deveríamos ser liberais, se reconhecermos as eleições democráticas, o Estado de direito (a separação e o controle mútuo dos três poderes do Estado). Tudo isso dentro dos limites da constituição e da constitucionalidade.

    A constitucionalidade é algo diferente da constituição. Não é sempre possível expressar tudo nas palavras e por isso é necessário contar com acordo implícito: em nosso país a constitucionalidade são „requisitos essenciais de um Estado de direito democrático, cuja mudança é inadmissível“.

    A propósito, os britânicos sabiamente não escreveram a constituição, porque consideraram que era menos arriscado apostar num acordo tácito sobre quais as regras de governo aplicáveis ​​do que redigir essas regras e depois discutir sobre o significado de cada palavra em texto de uma constituição escrita.

    E tem ido bem para eles até hoje: os governos mudam em intervalos razoavelmente longos; estamos vendo isso hoje em dia ao vivo, que o governo é capaz de entregar o cetro da governação à oposição vitoriosa dentro de poucos dias. E isso mesmo com todas as cerimônias e ritos a que os britânicos estão habituados e aparentemente precisam, para reforçar simbolicamente a vinculação das regras não escritas.

        No liberalismo, trata-se mais de como fazê-lo, de como aplicá-lo, do que de quaisquer orientações específicas sobre o que fazer. E o mais importante, como não fazer isso.

    Isto, na minha opinião deveria ser enfatizado antes dos parênteses de qualquer orientação política: podemos então ser liberais políticos neste sentido, como conservadores, socialistas, verdes, até mesmo feministas, como pessoas de esquerda e como pessoas de direita (mas não da extrema). É também por isso que a combinação aparentemente oposta de um conservador liberal e um social-democrata liberal faz sentido.

    Portanto, não são os liberais políticos que promovem a igualdade absoluta para absolutamente todos, mesmo para cada vez mais minorias inventadas cada vez mais pequenas. Este, por outro lado, é domínio daqueles que hoje são chamados de progressistas. Ao mesmo tempo, acredita-se que esta seja uma nova geração de esquerdistas. A busca por tal igualdade pode corroer a sociedade até os seus átomos instáveis, o que levaria ao caos completo, à anomia, a um estado onde se vive “sem leis”, quando não se sabe o que é realmente válido e o que não é.

Uma busca desesperada por originalidade

    Mas quando se trata de liberalismo econômico, é outra coisa. Os liberais econômicos defendem a inviolabilidade absoluta da propriedade privada, o mercado mais livre e liberado possível, o menor Estado possível, ou seja, o mínimo de regulamentação e subsídios possíveis.

    Para eles a melhor cura para tudo é a privatização, porque o Estado sempre faz negócios piores do que um proprietário privado. E impostos baixos para os mais ricos. Estes são os dogmas dos liberais econômicos. Claro, eles têm alguma verdade; no entanto, trata-se de quantidade.

    Faz sentido que o liberalismo econômico tenha nascido na Escócia de meados do século XVIII, a primeira “fabricação da Europa”.

    Seu pioneiro foi Adam Smith com sua mão invisível do mercado. Esta mão foi então capaz de trabalhar de forma eficaz e, até certo ponto, até justa, porque era governada por pessoas profundamente religiosas para quem os Dez Mandamentos eram um guia obrigatório na vida e nos negócios.

    E também porque as empresas eram então geridas pelos seus proprietários e não pelos acionistas. O Estado só poderia então ser um “vigia noturno”. Isso, na minha opinião, já não se pode aplicar hoje.

    E também não somos todos neoliberais econômicos que implementaram a privatização de cupões no nosso país com o contrabando de uma série de fundos de privatização roubados. Eles argumentaram que seria melhor que o mercado determinasse as suas próprias regras, de alguma forma depois do fato. E que houvesse o mínimo possível.

    Isso abriu espaço para a corrupção, o clientelismo e o domínio dos oligarcas. Para a plutocracia, o governo dos ricos. Este tipo de liberalismo pode, portanto, degenerar em darwinismo social.

    E não somos todos liberais como os libertários: para eles, a liberdade sagrada é uma indiferença pessoal programática a qualquer coisa, o imperativo de se libertar de todas as obrigações concebíveis, de satisfazer o insatisfatório, isto é, de alcançar a liberdade completa, o que só seria possível fora da sociedade. A liberdade dos libertários beira o arbitrário.

    No entanto, o nosso liberalismo não tem substância. Dificilmente pode ser uma ideia um tanto vaga de governo limitado ou de proteção das minorias do governo da maioria. Este é um ideal compreensível, mas na prática social é demasiado abstrato para a maioria das pessoas – os eleitores. Especialmente quando, como já foi mencionado, as minorias estão a aumentar recentemente, numa época de pânico identitário (com isto quero dizer uma procura desesperada de alguma identidade original que estabeleça o direito à proteção enquanto minoria).

Defender povo contra o povo

    Os partidos políticos liberais, aqueles liberais puramente políticos, nunca ganharam uma eleição em lado nenhum. Eles provavelmente nem sonham com isso. Tomemos como exemplo o respeitável FDP (Democratas Livres), de centro-direita da Alemanha: uma vez chegaram aos quatorze por centos, mas a maioria ficou abaixo dos dez. Geralmente são tradicionalmente votados pela classe média, os intelectuais. Às vezes eles entram nos governos e às vezes conseguem tornar possível uma maioria governamental.

    Ninguém jamais influenciará os eleitores em massa para o ideal de seguir as regras, o Estado de Direito. O eleitor majoritário desorientado não comprará nada por tais promessas.

    No entanto, a existência de tais partidos é uma pedra de toque da democracia pelo simples fato de existirem. No nosso país, porém, nunca existiu um partido puramente liberal, pelo menos houve muitos liberais dentro e fora dos partidos políticos.

    Afinal, o liberalismo tem pelo menos uma ideia imediatamente essencial: que a política, com todas as suas crises e imperfeições, pode continuar precisamente como política. E isso certamente não é pouco: para que o país não caia na anomia e no caos. Para que não seja substituído por todo tipo de formas de controlar as pessoas baseados no magnetismo dos líderes, no poder das emoções, e não na argumentação segundo regras partilhadas.

    O liberalismo, portanto, na verdade defende o povo contra o povo. O povo é tratado como a maior bandeira, mas não têm noção dos direitos das minorias e por vezes age como uma multidão. Muitas pessoas não se enquadram na multidão e precisam de proteção. Os liberais proporcionam-lhes isso - quando são ouvidos na sociedade.

Petr Pithart no funeral do ex-presidente tcheco Václav Havel em 2011. Foto: Michal Reiter, fonte: https://cs.wikipedia.org/wiki/Petr_Pithart#/media/Soubor:Statni_pohreb_Vaclava_Havla_23.12.2011_336.jpg
 O autor Petr Pithart (*1941) é funcionário do HlídacíPes.org, escritor, advogado, ex-político tcheco e também referido como um dos "pais fundadores" da política e do constitucionalismo tcheco. Na juventude foi membro do Partido Comunista da Tchecoslováquia, após a ocupação do país pelas tropas soviéticas em 1968 deixou o partido. Escrevia e compartilhava literatura samizdat até a Revolução de Veludo. Nos anos de 1990 a 1992, foi líder do governo tcheco dentro da federação, depois duas vezes presidente e vice-presidente de longo prazo do Senado do Parlamento da República Tcheca. Desde 1999 é membro do partido KDU-ČSL (União Cristã e Democrática - Partido Popular da Tchecoslováquia).  

Para o leitor brasileiro ele pode ser conhecido por sua viagem a Cuba na virada de 2000 e 2001 para exigir a libertação de dois cidadãos tchecos da prisão. Foram acusados ​​pelo regime local de apoiar a contra-revolução e de cooperar com a CIA americana para se reunirem com dissidentes cubanos. Pithart conversou com o então presidente-ditador Fidel Castro durante seis longas horas e conseguiu negociar suas libertações.
 

 Tradução do texto original: Josef Humlíček

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